O jejum
A marca fundamental da Quaresma — tempo litúrgico que
estamos a viver — é a conversão: voltar-se para. Voltar-se para Deus
é, necessariamente, voltar-se também para os outros e, ainda,
voltar-se para dentro de si mesmo. A Quaresma é o tempo, por excelência do
encontro: consigo mesmo, com os outros, com Deus.
Para isso, a Igreja propõe-nos alguns instrumentos
importantes, como a oração, a penitência, o jejum.
É claro que todo o jejum (aquilo de que me abstenho) deve
visar uma partilha com os outros. E convém que, sobre o jejum, não fiquemos
apenas no sentido mais clássico de jejuar: abster-se de alimento, ou, pelo
menos, de algum tipo de alimento. Mas nesta presente época de crise, que já nos
obriga a viver muito mais modestamente, é possível pensar em novas formas de
jejum.
Há quem, mesmo sem ser por convicções cristãs, por exemplo,
semanalmente, desligue um dia o seu telemóvel: fica mais independente e livre
para atender aos que lhes estão mais próximos, sobretudo a família. Chama-se a
isto o “
desliga-te”. Não se trata de gastar menos em chamadas.
Trata-se, isso sim, de poder prestar mais atenção à família, escutando-se mais,
estando menos dependente dos estímulos externos. Há, ainda, o “
desliga-te”
da televisão. Um dia por semana não há televisão. Há mais tempo para jogos em
casa, para conversar com os filhos, com a esposa, com o marido, com os pais.
Este é um jejum que nos pode tornar melhores: mais atentos aos outros, mais interactivos,
mais humildes, mais pessoas. E aquilo de que nos abstemos reverte em favor dos
outros. É uma partilha não monetária, mas cheia de valores, cheia de comunhão.
No seguimento da mensagem para a Quaresma do papa Francisco,
devemos levar à prática o amor misericordioso de Deus por cada um de nós, dando
mais tempo e espaço aos outros no nosso coração, na nossa vida: “A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e
far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e
enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza
dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio
da esmola que não custa nem dói.” (mensagem do papa
Francisco). Nem que essa privação (jejum) seja de algo como a televisão, ou o
telemóvel, uma vez por semana.
“Que Ele [o Espírito Santo]
sustente estes nossos propósitos e reforce em nós a atenção e solicitude pela
miséria humana, para nos tornarmos misericordiosos e agentes de misericórdia.”, diz o
papa Francisco.